Tenho muitas razões para pensar que o bom êxito do meu ministério foi, em grande parte, impedido, pelas razões abaixo:
1. Julgo que muitas conseqüências negativas entre meu povo, poderiam
ter sido evitadas, totalmente ou em grande parte, se eu tivesse tomado
cuidado de, freqüentemente, permitir-lhes saber quanto eu necessitava de
suas orações, para que o Espírito de Deus pudesse ensinar-me, tanto a
pregar, quanto a fazer-lhes o bem, e fazer-me sentir mais amor por suas
almas.
Se
eu tivesse também, repetidamente, instando-os a considerar quão grande
responsabilidade estava sobre mim, e que importância solene eu tinha que
dar à doutrina que lhes entregaria, e da relação singular que havia
entre mim e eles.
Eu
deveria ter feito sempre referência a estas coisas. Teria sido
proveitoso se o tivesse feito, porque o rebanho ouve, com peculiar
atenção, quando seu pastor prova o seu cuidado e atenção para com ele,
bem como quando lhes solicita suas orações, para que, de sua parte, não
haja deficiência naquilo que possa promover o bem-estar presente e
eterno deles.
Ao
mesmo tempo, uma completa explanação do dever de um pastor em relação
ao seu povo, é o meio de promover a estima deles e também, uma atenção
mais determinada a sua palavra.
2. Eu deveria ter estabelecido diante do meu povo, a ordem endereçada a
todos os crentes: “que tenhais em grande estima e amor” aqueles que
labutam entre vós na palavra e na doutrina, “por causa das suas obras”;
ter-lhes mostrado suas obrigações para com eles, como instrumentos nas
mãos de Deus, através dos quais suas almas são salvas; e provado, por
esta razão, que eles contrariariam diretamente seus deveres, caso
menosprezassem seus ministérios e, mais ainda, se os desamparassem.
Não
tratei destes assuntos, por uma apreensão de que eu pudesse ser
suspeito de visar uma preeminência ou de impor-lhes uma sujeição. Mas
não seria difícil provar o benefício resultante de uma justa estima do
ministro de Cristo. O sábio propósito pelo qual ele o requereu, aliado a
um comportamento isento de toda arrogância e auto-exaltação, teria-lhes
mostrado, claramente, que eu nada mais almejava, senão o benefício e a
salvação deles.
3.
Depois que meus ouvintes começaram a provar a boa Palavra de Deus e os
poderes do mundo vindouro, eu negligenciei em indicar-lhes as muitas
maneiras pelas quais o orgulho espiritual e presunção começariam a agir.
Quão prontos eles estariam em concluir que tinham muita graça, quando
não era certo que tinham alguma. Quão orgulhosamente eles pensariam de
seus próprios dons, caso pudessem orar com fervor e fluência, e falar
com grande eloqüência. Quão cedo eles seriam tentados a agir
inadequadamente, contendendo obstinadamente por suas opiniões sobre
todas as coisas, opondo-se aos antigos discípulos e até mesmo, ao seu
próprio mestre, os quais têm muito mais experiência. Com que espírito
precipitado e descaridoso eles censurariam esta ou aquela pessoa, por
qualquer coisa que não gostassem nela, embora fossem pouco humilhados
pelos seus próprios erros ou pelas diversas corrupções de seus próprios
corações.
Se
eu tivesse particularmente demonstrado estas coisas, eles poderiam ter
sido incentivados a atentar e vigiar contra elas e outros poderiam ter
percebido a inclinação imprópria que atuava neles, quando, como
neófitos, envaidecidos pela sua mente mundana, discursassem com o
propósito de corromper outros.
4.
Não sou menos responsável, por não mostrar como homens iluminados, mas
não convertidos, são sempre os primeiros a criar confusão sobre coisas
sem importância, ao invés de limitar suas atenções às maravilhosas e
fundamentais doutrinas de Cristo e aos frutos que elas deveriam
produzir. Eu deveria ter provado que isto é indolência, amor ao pecado e
uma aversão ao esforço para mortificar temperamentos corrompidos que,
apesar de imperceptivelmente, levam homens a fazer de coisas
insignificantes, grandes problemas (...) Desviando suas atenções da
pecaminosidade do pecado, da salvação em Cristo e da necessidade da
santificação; tornando os homens capciosos em seus espíritos, de tal
forma, que eles perdem o amor uns para com os outros e o interesse que
começaram a sentir em andar de conformidade com o Evangelho de Cristo.
Eu
deveria ter notado o crescimento e progresso desta inclinação má, bem
como o efeito do orgulho e do engano de Satanás, e apelado as suas
consciências, mostrando que estas coisas impedem a comunhão deles com
Deus e destroem sua paz.
5.
Eu negligenciei em descrever, de forma completa e ampla, a lamentável
conseqüência da divisão e separação no meio do povo reavivado e chamado
para o conhecimento de Cristo, pelo seu ministro. Como a separação e a
divisão conduzem os homens a concluir que ninguém pode, com certeza,
determinar o que a fé de Cristo representa e que ela não serve a nenhum
propósito melhor do que causar divergências e disputas sem fim; do que
causar, aos fracos na fé, perplexidade e tropeços; dar aos incrédulos
ocasião para alardear que as paixões e preconceitos não estão subjugados
entre os mais religiosos.
Desta
forma, o evangelho é julgado ser de pouca utilidade para a raça humana,
embora tão louvado por aqueles que o pregam e por aqueles que professam
recebê-lo como evangelho da paz, que transforma homens à imagem do Deus
de paz e amor.
6.
Fui culpado também de grande negligência, em não instruir meu povo mais
freqüente e completamente, do perigo de preferir e exaltar o ritual da
pregação, à adoração espiritual a Deus na congregação, que é uma das
principais conseqüências que o evangelho, quando recebido, pode
produzir. Como os homens enganam-se a si mesmos e ofendem o Espírito de
Deus, supondo estarem ávidos em ouvir a pregação e esperando ser
abençoados por ela, quando têm sido indolentes e indiferentes em
confessar seus pecados, ou em seus pedidos por graça e conhecimento; sem
constância e misericórdia em suas intercessões e destituídos de toda
gratidão a Deus, quando louvores são oferecidos a Ele, por todas as suas
misericórdias.
Que
o exercício destes sentimentos, habitual e prazerosamente, está muito
acima do ouvir os melhores sermões e se constitui numa prova completa de
que nascemos de Deus. E, quão evidente é a falta desta adoração
espiritual naqueles que se chamam crentes em Cristo! Que manifesto
estupor, estupidez, e dureza de coração, prevalece entre os professos em
geral!
Por
esta razão, ou seja, Deus sendo tão pouco honrado no culto oferecido a
sua divina Majestade, seu Espírito está retraído; a palavra pregada não é
eficaz, mas de modo geral, é algo seco, insípido, para a maior parte
dos ouvintes.
7.
Estou consciente também, que não instei com os professos, como deveria
ter feito, sobre quanto lhes competia, à medida que recebessem o
conhecimento das coisas de Deus e tivessem habilidades, começar a
trabalhar juntamente com seu pastor.
Eu
deveria ter-lhes dito, clara e constantemente, quão pouco bem,
comparativamente, poderia ser feito por um homem apenas, no ensino da
verdade, pela sua conversação, ou em visitas aos necessitados,
ignorantes ou aos aflitos. Que estas coisas devem ser consideradas, como
foram nas Igrejas plantadas pelos apóstolos, como deveres comuns e
indispensáveis de todo aquele que professa religiosidade.
Que fossem diligentes entre os seus próximos, nos labores e deveres do amor.
Que
o pastor deveria ser considerado como o oficial, de fato, que dá a
ordem de comando e toma a liderança em toda boa obra, mas que todo o
povo de Deus, como soldados sob seu comando, deveria lutar contra o
inimigo comum. Deveria esforçar-se em difundir luz e conhecimento e
mostrar compaixão aos que são ignorantes e perdidos e, empenhar-se em
trazê-los ao conhecimento da verdade. Eu deveria ter-lhes mostrado, que,
por muitas razões, convêm aos cristãos exortar, instruir e reprovar
àqueles de condições e idades semelhantes as suas. Mostrar-lhes ser isto
uma comovente prova de amor para com eles. Além disso, que é mais
provável incitá-los a buscar conhecimento, quando vêem outros, além do
pastor, familiarizados com as realidades divinas, mesmo aqueles que não
têm educação melhor que a deles próprios, tendo em vista que grande
parte se desculpa de sua ignorância, assumindo que o pobre e todo aquele
que trabalha para conseguir seu pão, não tem tempo de adquirir
conhecimento.
Aqueles
poucos que tem amor e zelo para ir adiante e ajudar na promoção da
salvação de almas, descobrem que Deus os abençoa por causa da sua
boa-vontade para com seus semelhantes e que, com tais sacrifícios Ele se
agrada.
8.
Eu mencionarei mais um erro só, que consiste no meu modo de falar às
pessoas sempre cheias de dúvidas, temores, inquietação e sem conforto.
Eu muito prontamente deduzia esta rebeldia de um correto e profundo
senso de suas corrupções e de suas grandes falhas em obedecer e em não
depositar inteira confiança em Cristo. Mas geralmente, como Richard
Baxter comenta, tais pessoas são indolentes e não totalmente persuadidas
até mesmo da existência de um céu e de um inferno eternos. Eu deveria
ter perguntado-lhes, com sinceridade, se o amor ao dinheiro não governa
seus corações e é sua confiança; se eles não estariam fechando seus
corações aos seus semelhantes aflitos e em sofrimento; e se esta não
seria a causa de andarem na escuridão. Esta é, estou persuadido,
geralmente a razão, porque a promessa de luz e de grande consolação e
alegria em Deus e da prosperidade da alma, é feita para aqueles que têm
um espírito amoroso e generoso. “Acaso não é este o jejum que escolhi?
que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo? e
que deixes ir livres os oprimidos, e despedaces todo jugo? Porventura
não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os
pobres desamparados? que vendo-o, o cubras, e não te escondas da tua
carne? Então romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente
brotará. e a tua justiça irá adiante de ti; e a glória do Senhor será a
tua retaguarda. Então clamarás, e o Senhor te responderá; gritarás, e
ele dirá: Eis-me aqui. Se tirares do meio de ti o jugo, o estender do
dedo, e o falar iniquamente; e se abrires a tua alma ao faminto, e
fartares o aflito; então a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão
será como o meio dia. O Senhor te guiará continuamente, e te fartará
até em lugares áridos, e fortificará os teus ossos; serás como um jardim
regado, e como um manancial, cujas águas nunca falham”( Is. 58: 6-11).
Sobre o autor: Henry
Venn, 1724-1797, foi um dos proeminentes pregadores da igreja da
Inglaterra no despertamento evangélico do século dezoito. Ele ministrou
em Londres, Huddersfield e Huntingdonshire, e escreveu The Complete Duty of Man (O
completo dever do homem), um popular livro de bolso sobre a vida
cristã. Seu filho, John, para quem estas palavras foram escritas, foi
também ministro, servindo aquela igreja em Clapham que foi o centro
espiritual da Clapham Sect (Facção de Clapham)