segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Porque não posso ser pastor

Senhor Jesus,
Meditei bastante, nestes anos que se passaram, acerca da tarefa para a qual me incumbiste desenvolver. Confesso que resenho estes versos e Te endereço esta carta bastante triste e com lágrimas nos olhos. Em minha mocidade, ao receber Teu chamado, fiquei muito agradecido e feliz, porquanto de mim Te lembraste em Teus eternos planos. De fato, para um novo convertido, ouvir a Tua voz é algo impactante, como um dia me foi, também. Porém, hoje percebo que não dimensionava o que havia de enfrentar. Lembro que, imediatamente, sem pestanejar, abracei a vocação e abandonei os sonhos. Em miniatura de Abraão, sem saber ao certo o que me aguardava, dediquei-me e engajei-me nos Teus projetos. Apesar das tantas dificuldades familiares, por decepcionar os sonhos de meus pais, preocupei-me em obedecer (I Sm. 15:22), sufocando as minhas emoções. Envolvi-me com pessoas e lideranças achando que tínhamos todos, como Teu povo e como Teu Corpo (Rm. 12:5; I Co. 12:12), o mesmo propósito e a mesma determinação e foi, então, que tudo mudou. Hoje, cansado e desiludido, nessa humilde carta venho expressar-Te os motivos de meu insucesso em atender às Tuas solicitações. A priori, é necessário dizer que apenas na convivência com os Teus outros filhos pude perceber minhas gritantes e terríveis limitações. A posteriori, vi-me tolhido e impossibilitado de cumprir Teus desígnios, e entendi que não posso Te servir por razões que estão além de meus esforços individuais. Tais limitações só foram demarcadas no convívio eclesiástico, porque em mim faltam várias particularidades que sobram em outros vocacionados. Por exemplo, eu tenho muitas falhas, mas, não criei o hábito de ser cínico ou hipócrita, como tantos se acostumaram a ser apenas para não perderem a membresia e a admiração narcisista que nutriram em torno deles mesmos. Quem eu sou é algo que não consigo - e me recuso - mascarar, da mesma forma que não sei omitir-me diante do que está errado. Eu percebi que, tanto para quem lidera quanto para quem é liderado, um pastor não pode cometer ou ser passível de erros e, também, não pode repreender as ovelhas dos caminhos maus que seguem, senão pode ouvir o que não quer ou perder o membro, o que é sentido diretamente no recolhimento dizimal. Porém, não coaduno com tais ditames e nunca tive medo de falar a verdade (ou de enfrentar tribulações financeiras). Eu tenho falhas que prefiro fazê-las notórias, a fim de que todos saibam que perfeição só há em Ti (Ef. 4:13; Cl. 1:15; Hb. 7:28) e que não é por causa das minhas falhas, ou das falhas de quem quer que seja, que somos impedidos de amar uns aos outros tal como nós somos (Rm. 12:10; I Pe. 1:22; I Jo. 3:14; 4:20). E, se por um lado tenho alguns defeitos, por outro não tenho nenhuma espécie de medo em declarar
a verdade e anunciar a Tua lei (Mt. 10:27; Cl. 1:28), pois prefiro encontrar-me com meu irmão no céu (Ez. 3:20), ao vê-lo ir para o inferno. É intrigante demais o comportamento do Teu povo. A idéia nutrida é que pastores não pecam e ovelhas não podem ser redargüidas. O resultado, então, do pecado de um líder é quase um martírio. Contudo, a conseqüência do pecado de uma ovelha é “essas coisas acontecem”. Logo, em se tratando especificamente de minha pessoa, jamais soube omitir minhas falhas e limitações. Eu compreendo a conduta cristã diferente de alguns, pois, para mim deve servir de exemplo (I Tm. 4:12), e não moldar-se em fachadas. Ora, como ainda não somos perfeitos (Fp. 3:12), só serve de exemplo aquilo que é bom (Is. 55:2; Rm. 15:2). A Tua Palavra ensina que há a universalidade sugestiva do pecado (I Jo. 1:10), desta maneira, ninguém pode alegar-se melhor que - ou superior a - seu irmão (Fp. 2:3; Hb. 10:24).
A sociedade ainda incorpora elementos místicos em sua subjetividade, levando a idéia papal para o relacionamento religioso. Em outras palavras, Tuas ovelhas ainda imaginam que os líderes são inerrantes. Logo, Senhor, pessoas semelhantes a mim, que não sabem esconder seus defeitos e que preferem falar a verdade no lugar de se esconderem em capas de mentira, não podem (e não ganham) espaço nos meios cristãos. É necessária uma leve pitada de hipocrisia temperada com aromas de cinismo, ou seja, é melhor transparecer o que não é. Como se não fosse o suficiente, percebi, tardiamente, que eu não sou a espécie de candidato que cai na graça da comunidade eleitoreira. Neste impasse, porque me autoavaliei, eu não sei se estou inteiramente certo, mas, parece que não é bem quisto aquele que só fala a verdade (Jo. 6:60). Confesso que fiquei sem saber se sou demasiadamente ingênuo e chato, ou se o Teu povo de fato goste de ouvir contos e fábulas míticas acerca de suas próprias vidas (II Tm. 4:4). Eu li na Tua Palavra que é dever de quem lidera falar sempre a verdade (Ex. 18:21; Ef. 4:25), ainda que “doa a quem doer”, deve se anunciar a verdade em todo tempo (II Tm. 4:2), pois, o fim da vida comum em igrejas é o aperfeiçoamento do caráter (I Co. 2:16; Cl. 2:6) e a preparação para a Tua volta (I Ts. 5:23; II Pe. 3:12; I Jo. 2:28). Embora eu tenha me esforçado para velar por Tua Palavra, fiquei admirado ao ver que meus ouvintes, alguns de Teus filhos, me criticavam, ao invés de estarem satisfeitos por serem redargüidos a desviarem-se do erro (Ez. 3:18, 19; II Tm. 4:3). Já que não há em mim nenhuma veia teatral e o ibope não é minha preocupação, não fui hábil o suficiente para agradar Teus filhos levando-lhes mensagens que valorizam o que são sem corrigir-lhes o que fazem. Inexiste em mim a malícia politiqueira. Tenho incrível inaptidão para confortar o ego das pessoas, prefiro agradar Teu coração. Em resumo, Senhor Jesus, sou um incrível fiasco como candidato a partidos religiosos antropocêntricos, sejam pentecostais ou cessacionistas. Os primeiros preferem o conforto de revelações no lugar de libertações de crenças supersticiosas; os segundos preferem a glória tradicionista do passado no lugar da renovação espiritualista do presente; o primeiro é fundamentalista demais e o segundo é legalista demais. A nenhum dos dois eu soube agradar, exatamente porque lhes anunciei aquilo que não queriam ouvir.  O pior de tudo é que, ao que parece, ou eu aprendi a Tua Palavra da forma mais errada possível, ou sou incapaz de apreender certas passagens como tantos compreendem.Por exemplo, eu não consigo entender que o dever do dízimo seja uma barganha por
prosperidade, e sim uma forma de adoração, visto que faz parte do culto (Gn. 14:20; 28:22; Lv. 27:32; Dt. 12:6; Hb. 7:1-9), assim como não consigo entender que a Tua Palavra estimule aos cristãos acumularem bens no mundo físico (Mt. 6:19).Senhor, admito que eu já me esforcei, mas, não consigo compreender de outra maneira. Há quem ensine a tirar dízimo dos dízimos, algo que só era destinado aos Levitas, porque não tinham herança em Israel (Nm. 18:21-26). Doutro lado, tenho dificuldades em acatar certos conselhos, pois, é impossível que o dízimo tenha um mero efeito protecionista, uma vez que Tua Palavra ensina que o dízimo é ambivalente, tanto protege quanto abençoa (Ml. 3:10). De fato a proteção é uma conseqüência da benção, visto vir depois (Ml. 3:11). Ademais, se o dízimo é parte do culto, como pessoas completamente
endividadas dizimam do que não têm, se o dinheiro delas legalmente pertence a seus credores? Estão descumprindo uma série de preceitos da Tua graça (Mt. 5:24; Rm. 13:8; I Tm. 3:7) apenas com o objetivo de prosperarem. Ora, diz-se que há maldição nos que não prosperam, e não há maldição nos que devem? Não há maldição em escândalos? Ou em adultério, ou em mentira, ou em fofoca, ou em não amar ao irmão? Não nos é necessário nascer de novo (Jo. 3:3; I Jo. 4:7)? Ah, Senhor! Tantas coisas eu nem soube aprender, nem pude aceitar. Acredito que seja impossível ser do Teu desejo que Teus filhos, que irão morar no céu, sejam altamente prósperos para si mesmos neste mundo, já que nenhum dos Teus discípulos, nem a Tua Palavra, e nem mesmo o Senhor, foram ou ensinaram a ser prósperos aqui (Sl. 37:16; Pv. 11:28; 13:7; 22:1; Mt. 6:19; 8:20; 13:22; Mc. 10:23; Lc. 18:24; Fp. 4:11, 12), antes gastaram a vida e o que tinham para abençoar os outros (Mt. 9:9; 19:21; Lc. 9:13; 12:34; 18:22; Jo. 1:43). Através da Tua Palavra percebo que toda prosperidade que por Ti é outorgada, serve para auxiliar na Tua obra e aos nossos irmãos (I Tm. 6:17-19; I Jo. 3:17). Inclusive, os que encontram a jóia que é a vida eterna, são aconselhados a deixar tudo o que tem e vender a tudo o que possuem (Mt. 10:37-42; 13:44, 46; 19:29). Como é possível pregar sobre a vida eterna ensinando a viver a terrena? Como é possível falar de céu se ninguém deseja tirar os pés desta terra? Oramos por bênçãos, casas, salários, dinheiro, empregos, viagens, automóveis, empresas, negócios, mas, como é possível que Tu voltes para nos buscar, se nem oramos por isso (Ap. 22:17)? Discordo completamente dos que procuram uma felicidade nesse mundo tenebroso (Mt. 10:39; I Jo. 2:15, 16; 4:4; 5:19), pois, assim não era o coração de Teus discípulos (At. 20:24; Fp. 1:21), ou dos grandes homens que na história Te adoraram, e amar as riquezas traz desolação (I Tm. 6:10). Senhor, meus pais não me ensinaram a me vender, nem me dobrar e nem servir a homens. Eu não sei enganar as pessoas com meias ou falsas verdades, como fazem outros, a fim de que as pessoas façam o que dizem ser o melhor para elas, quando, na verdade, é apenas o melhor para si mesmos. Como anunciador das boas novas (Sl. 68:11; Is. 52:7), tudo o que sei fazer é ensinar-lhes de uma maneira mais fácil aquilo que já está contido em
Tua Palavra. A mim não é possível assumir a culpa ou desejar as melhores coisas no lugar de outrem. Ao anunciar a Tua Palavra, só posso desejar que a semente caia em bom terreno (Mc. 4:1-20), e cresça, porém, o resto é entre eles e o Senhor (I Co. 3:6). Quando o meu dever de ensinar encerra, prossegue o dever de orar. Este meu desapego das coisas materiais não me deu oportunidade de prender-me a bens, riquezas ou mesmo a templos e paredes. Passei a ser julgado por todos. As pessoas simplesmente desconfiam de quem não é apegado a dinheiro. Desconfiaram de mim quando abandonei o conforto de meu lar e a segurança de meus pais. Desconfiaram de mim quando rejeitei as herdades familiares. E ainda desconfiam. Parece que te amar acima de todas as coisas (Mt. 22:37-39), e amar ao meu próximo (Tg. 2:8), não está mais na moda. Ainda que meu coração arda por Tua obra, não houve oportunidade ou espaço concedido (sequer compreensão) para que eu pudesse apresentar aos demais o pouco que me concederas. Hoje, tenho encontrado tantas dificuldades em anunciar a verdade, pois, os púlpitos estão lacrados para o meu estilo de sermão. Há oportunidade para o recém convertido que nem foi discipulado ou batizado, contudo, como era famoso no mundo, todos querem mostrar sua “conversão”. Há oportunidade para o adivinho que brinca com a ingenuidade do Teu povo, iludindo com falso profetismo (Ez. 13:3; Mt. 24:11, 24; I Jo. 4:1) acerca de promessas que nunca chegam. Há oportunidade para o leigo que não é instruído e que não se preparou adequadamente (II Tm. 2:15) para pregar a Tua Palavra. Há lugar para o doutor em teologia (II Pe. 2:1), tão estudado e tão preparado que nem crê mais que o mar vermelho se abriu (Ex. 14:21), e questiona seriamente como os cavalos e os cavaleiros de faraó morreram afogados num arrecife (Ex. 14:27, 28). Há oportunidade para o super-espiritual, que anuncia novas revelações (Gl. 1:8). Todavia, ao teor de meu conteúdo não houve lugar. Enfim, de tantas experiências amargosas, venho reportar ao Senhor da Seara (Lc. 10:2) que não consigo espaço para difundir a Tua Palavra e desenvolver o ministério confiado. Eu tenho me empenhado de diversas maneiras, para não ser duramente cobrado (Mt. 25:14-30). Ainda que assim seja, preciso informar, todavia, que não quero participar deste povo que deturpa o Teu evangelho, uma vez que sei que há joio e trigo e que nem todos que Te invocam herdarão a vida eterna (Mt. 7:21; 13:25-29). Prefiro manter meus pés na lâmpada (Sl. 119:105) e crer no conteúdo da Palavra para não ser por ela condenado (Jo. 12:48; II Tm. 3:16). Prefiro permanecer nas Tuas Palavras (Jo. 8:31; 15:7) e ser bem aventurado (Sl. 1:2). Prefiro fugir daquilo que não aparenta ser luz (I Ts. 5:22; Lc. 11:35; II Co. 6:14). Temporariamente vencido pelo espécime “crente”, pela inimizade da carne e por aqueles que se agradam em satisfazê-la (Gl. 5:17-20; Cl. 2:23), quero solicitar a Tua intervenção e o desejo mais profundo que há em mim, para que Voltes o quão logo Possas. Como se tudo isso não fosse suficiente, eu ainda não sei competir no mercado pastoral. Creio que os Teus filhos não devam invejar ou falar mal uns dos outros (Rm. 12:10; I Co. 12:23; Gl. 5:15, 26; Ef. 5:21; Cl. 3:9; Tg. 3:16; 4:11; I Pe. 2:1), tão pouco acredito que no Teu reino as coisas funcionem pela força do homem, sim pela força do Teu Espírito (Zc. 4:6). Então, quando olho para um amigo de ministério, ocupe qualquer cargo para o qual Tu o tenhas chamado, vejo nele uma parte do Teu Corpo (I Co. 12:25-27), um parceiro, e não um adversário. Eu sei, pela Tua palavra, que no Teu Reino há lugar para todos, já que cada um desenvolve uma tarefa em particular (I Co. 12:29, 30; I Pe. 4:10), logo, não tenho motivos para intrigar-me de meu irmão simplesmente por dividir com ele o mesmo ministério, já que tudo provém de Ti (I Co. 12:11, 18).
Desta maneira, Senhor Jesus, não tenho obtido sucesso, porque há muita contrariedade com a Tua Palavra, e muito homem no lugar do Teu Espírito. Então, venho pedir que observes com carinho minha situação e a tarefa nada fácil de pregar a verdade a despeito das pedradas que serão atiradas. É por isso que não posso ser pastor, porquantobusco não ser insensato ou mercador, não busco comer a gordura e vender a lã do Teu rebanho (Zc. 11:15-18). Agradeço a confiança que depositaste em mim, espero em um futuro próximo, ainda nesta vida, cumprir o plano que traçaste – o que espero que já esteja acontecendo e tudo faça parte deste eterno propósito – ainda que muitos não queiram e que eu ainda não entenda. Fica aqui a confissão de meu amor e que tudo o quanto faço é por te amar incondicionalmente. Beijos, Senhor, e que me abençoes.

Pr. Túlio Jansey


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